Terceirização de gestão das escola em Goiás divide especialistas

Publicado em: 07/02/2016

A partir deste ano, Goiás começará a transferir a administração de escolas estaduais a Organizações Sociais (OSs), que são entidades filantrópicas. O modelo, que já é aplicado no sistema de saúde do estado é, em escolas, inédito no Brasil, segundo o próprio governo. A implantação começa em 23 escolas e deverá chegar a 200 até o final do ano. A Agência Brasil conversou com especialistas sobre os riscos e os benefícios da transferência de gestão.

As OSs são entidades privadas, sem fins lucrativos. Estão previstas na Lei 9.637/1998 e tiveram a qualificação validada no ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No modelo goiano, é firmada uma parceria e os repasses públicos serão feitos às entidades, que ficarão responsáveis pela manutenção das escolas e por garantir melhores desempenhos dos estudantes nas avaliações feitas pelo estado. Elas também poderão contratar professores e funcionários.

A questão gera polêmica. Estudantes e professores ocupam desde dezembro do ano passado, escolas estaduais em protesto contra a falta de diálogo na implantação do modelo. O edital para o chamamento das entidades foi publicado no final de dezembro e a abertura dos envelopes, está agendada para o dia 15 de fevereiro. Já neste ano, o promotor de Justiça Marcelo Henrique dos Santos, do Ministério Público de Goiás, sugeriu a suspensão do edital, que segundo ele, ainda gera dúvidas.

Contra

“Educação lida com o ser humano. Os princípios da administração empresarial não são apenas diferentes do objetivo da invenção da escola, eles são antagônicos”, diz o professor Vitor Henrique Paro. Paro é professor colaborador sênior da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), onde coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração Escolar. É autor, entre outros, dos livros Administração escolar: introdução crítica, Gestão democrática da escola pública e Crítica da estrutura da escola e Diretor escolar: educador ou gerente?

A atuação das OSs nas escolas estará condicionada a uma melhora no desempenho dos alunos nas avaliações do estado. Paro questiona a capacidade das avaliações externas de medirem o conhecimento dos estudantes e teme que o ensino se volte apenas para as provas. “Essas entidades condicionam e treinam professores para fazer os alunos responderem a esses testes. E eles não aprendem nada”, diz.

“Enquanto o ensino brasileiro não estiver orientado para formar o ser humano histórico, aquele que têm direitos para se apropriar inteiramente da cultura, e não apenas aprender umas coisinhas para entrar no mercado de trabalho ou simplesmente receber um diploma, a educação vai continuar igual”, defende, e acrescenta: “Por que a educação pública não está preocupada em fazer educação de verdade?  Está preocupada apenas em melhorar índices. E nem mesmo esses índices têm mostrado melhoras”.

A Favor

“Eu acho que é uma boa iniciativa de Goiás porque a educação básica está precisando de fato pensar em modelos alternativos ao modelo da gestão pública. O modelo das OSs funciona bem na saúde e na cultura e pode funcionar na educação. Depende da proposta que Goiás está fazendo”, diz a diretora executiva da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), Maria Helena Guimarães de Castro. Maria Helena que já foi secretária de Educação do estado de São Paulo e presidenta do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Ela ressalta que para um modelo de tranferência de gestão para OSs funcionar é preciso supervisão e acompanhamento permanentes por parte da Secretaria de Educação. Além disso, o governo deverá cuidar do projeto pedagógico, assim como definir a formação dos professores. “As OSs deverão cumprir metas definidas pela secretaria. Primeiro, a secretaria define o modelo pedagógico e a formação de professores e acompanha a execução, para ver o que está andando. Cabe à secretaria, caso não funcione, fazer uma intervenção”, diz.

“A educação pública brasileira está estagnada do ponto de vista de resultados. Não está melhorando. Acho que esse modelo pode ser uma alternativa. Mas por enquanto não dá para saber. Temos que ficar de olho e acompanhar para saber se vai funcionar ou não”, analisa.

Escolas ocupadas

Quase dois meses após o início das ocupações das escolas em Goiás, o número de unidades ocupadas por estudantes, professores e apoiadores caiu pela metade. Um grupo permanece acampado no estacionamento do edifício da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte (Seduce), em Goiânia. Os estudantes chegaram a ocupar 28 escolas e, de acordo com informações da Seduce, até quinta-feira (4), eram 14 escolas ocupadas.

O movimento começou no dia 9 de dezembro do ano passado. O protesto é contra a transferência da gestão de escolas estaduais a Organizações Sociais (OSs), que são entidades privadas, sem fins lucrativos. Apesar das manifestações, o governo mantém o edital de chamamento das entidades e confirma a data de abertura dos envelopes para o dia 15 de fevereiro.

Pelo modelo goiano, o primeiro de transferência da administração de escolas a OSs, as entidades receberão recursos do estado e serão responsáveis pela manutenção das escolas e por garantir melhores desempenhos dos estudantes nas avaliações feitas pelo estado, além da formação de professores. Elas também poderão contratar de professores e funcionários. O projeto-piloto será implementado em 23 escolas.

Contra o modelo e alegando falta de diálogo, os estudantes chegaram a ocupar 28 escolas, mas com o início das aulas, no dia 20 de janeiro, começou também um processo de desocupação.  Por meio de postagens na rede social Facebook, os estudantes dizem que estão sendo retirados à força das unidades e vítimas de violência policial. As denúncias são feitas nas páginas Secundaristas em Luta – GO e Ocupe sua Escola – Goiás. De acordo com a Seduce, as escolas foram desocupadas a partir da ação de pais, professores, estudantes e comunidade. A Polícia Militar nega as agressões.

“Estamos em um impasse entre governo e manifestantes. Enquanto isso, os alunos estão sem aula”, diz o diretor do Colégio Estadual Herta Layser Odwyer, Mário Rodrigues, um dos colégios ocupados.

A Seduce reafirma em nota que o ano letivo de 2016 só terá início quando ocorrer a desocupação das escolas e as unidades forem vistoriadas, um novo calendário for elaborado e o planejamento pedagógico for realizado. Sete mil alunos ainda estão sem aulas em decorrência da ocupação.

Nove escolas ocupadas têm mandado de reintegração de posse expedido pela Justiça, de acordo com a secretaria. “Os esforços são no sentido de que sejam desocupadas de forma espontânea, a partir da ação de pais, professores, estudantes e comunidade”, diz a secretaria.

 

 

Agência Brasil

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