A cada duas horas uma mulher é assassinada no Brasil. Infelizmente, em matéria de violência de gênero, o país está entre os primeiros da lista. No Distrito Federal, de 2006 a 2015, o número de denúncias saltou 4.500%, de 113 para 5.143. No último ano, o DF foi a primeira unidade da Federação em registro de atendimentos no Disque 180. “Não se pode afirmar que existe mais violência doméstica no DF, mas sim que as brasilenses estão mais dispostas a denunciar”, explica o coordenador dos Núcleo de Direitos Humanos do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), promotor de Justiça Thiago Pierobom.
A Lei Maria da Penha foi um marco na legislação brasileira ao dar visibilidade à violência contra a mulher. Reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das três melhores legislações do mundo na defesa dos direitos das mulheres, a lei completa dez anos no próximo domingo, 7 de agosto. Desde a sua entrada em vigor, o sistema de Justiça teve de se especializar para atender à nova demanda: foram criadas promotorias e varas específicas para esse crime, antes de competência dos juizados especiais criminais.
Para Pierobom, a grande mudança trazida pela lei foi a forma de tratar o problema, pois não havia um olhar da relação desigual de poder. “A lei incorporou ao sistema jurídico o olhar de gênero ao reconhecer as violências estruturais da sociedade que colocam a mulher em posição de vulnerabilidade. Antes, a Justiça aceitava a retratação da vítima mesmo em casos de agressão física e induzia a conciliação, sem resolver as causas do problema. Atualmente, procura-se responsabilizar o agressor e dar condições à vítima de superar a situação de violência”, explica.
Violência em números
Em 2015, Ceilândia (2.008), Brasília (1.453), Taguatinga (1.168) e Samambaia (1.085) lideraram o ranking de inquéritos policiais e termos circunstanciados envolvendo violência doméstica no DF. As principais incidências foram ameaça, injúria, lesão corporal e via de fato (a briga propriamente dita, sem lesão). Nos últimos dez anos, os pedidos de medidas protetivas aumentaram exponencialmente. Em 2006, foram 34, passando para 870 em 2007; 5.104 em 2008; e culminando em 11.760 em 2015. As investigações policiais saltaram de 21 para 11.446, um aumento de mais de 5.450%. Confira aqui a estatística completa de 2015.
Pela primeira vez na série histórica, o número de registros de violência doméstica diminuiu. De 2006 a 2013, havia uma forte tendência de crescimento. Em 2014, houve uma estabilização da tendência, com crescimento moderado e, em 2015, houve diminuição de 11% no número de inquéritos policiais recebidos pelo MPDFT da Polícia Civil. Todavia, segundo Pierobom, é cedo para comemorar: “Ainda não sabemos o porquê da diminuição dos registros. A tendência coincide com a criação das Centrais de Flagrante pela Polícia Civil, que acabaram dificultando o registro da ocorrência policial em situação de flagrante delito, infelizmente muito usual em casos de violência doméstica. Sem contar a subnotificação”, completa.
Pioneirismo
Um ano antes da Lei Maria da Penha, o MPDFT criou o Núcleo de Gênero, órgão especializado para pensar o tema da violência contra a mulher. Pierobom lembra que o primeiro seminário para discutir a questão foi realizado ainda em 2001. “A discussão já estava em amadurecimento no MPDFT. A partir da lei, ampliamos o debate e a matéria passou a fazer parte do curso de formação inicial dos promotores de Justiça adjuntos”, conta.
Segundo Pierobom, a parte mais importante dessa formação é a sensibilização. “Com a lei, passamos a sistematizar as estatísticas e a trabalhar numa perspectiva de proteção integral, multidisciplinar e intersetorial”, completou. No MPDFT, também houve a expansão do Setor Psicossocial para subsidiar a atuação dos promotores de Justiça, além da criação de programas de responsabilização de agressores em parceria com o governo local. Atualmente, nove Núcleos de Atendimento às Famílias e aos Autores de Violência Doméstica (Nafavd) funcionam dentro da estrutura do MPDFT. O DF foi pioneiro no atendimento aos autores de violência.
Temor
Apesar de todos os avanços, a Lei Maria da Penha está prestes a sofrer alterações que são consideradas inconstitucionais pelo meio jurídico. Substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado Federal permite que delegados decidam sobre o deferimento de medidas protetivas de urgência após o registro de ocorrência. Ministério Público, Judiciário, Defensoria Pública e movimentos de mulheres temem a mudança que não constava no projeto original da Câmara – PL 36/2015.
“A proposta inicial, que é bem-vinda, dispõe sobre o direito de a vítima de violência doméstica ter atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado, preferencialmente, por profissionais do sexo feminino. Todavia, conceder atribuições jurisdicionais à Polícia para restringir direitos fundamentais, como o domicílio e a liberdade de locomoção, é inconstitucional e certamente enfraquecerá a Lei Maria da Penha”, explica Pierobom.
Fonte: MPDFT