Justiça do Distrito Federal proibiu a emissão de ruídos na festa “Na Praia” que ultrapassem 55 decibéis durante o dia e 50 decibéis à noite. Divulgada nesta segunda-feira (21), a decisão do juiz Carlos Frederico Maroja de Medeiros define multa de R$ 2 milhões para cada descumprimento e fiscalização semanal do Instituto Brasília Ambiental (Ibram).
Responsável pela realização do evento, a R2 Produções disse ao G1 que ainda não foi avisada oficialmente sobre a decisão. A produtora ainda pode recorrer. Os shows estão previstos até o dia 10 de setembro e as vendas continuam disponíveis.
Na prática, a determinação judicial pode comprometer a agenda de eventos, que ocorrem em um espaço aberto na Orla do Lago Paranoá.
Como argumento, a advogada Ana Carolina Osório – que entrou com a ação representando os moradores do Setor de Mansões Isoladas Norte – disse que não existe proteção acústica no evento e que o som incomoda 10 mil pessoas.
“Verificamos que o ruído alcançava 80 decibéis nas casas que ficam a cerca de cem metros da orla do lago e a aproximadamente 5 km do evento, por volta das 22h. Então, nós só pedimos que fosse cumprida a Lei do Silêncio”, afirmou a advogada.
Para o juiz Carlos Frederico Maroja de Medeiros, da Vara De Meio Ambiente, o evento tem causado “incômodo” aos moradores de regiões próximas, inclusive da Vila Planalto, e impõe aos moradores que “suportem músicas em alto volume por vários finais de semana seguintes”.
De acordo com as regras atuais da Lei do Silêncio, o limite máximo de intensidade da emissão de sons e ruídos, para ambientes externos no período noturno é de 55 decibéis. Já em área predominantemente residencial e de hotéis, cai para 50 decibéis.
O Ibram informou ao G1 que é possível realizar shows em local aberto sem ultrapassar os limites previstos na lei. Segundo o instituto, a última edição do “Na Praia” cumpriu essa exigência.
Críticas do magistrado
Ao contextualizar o setor cultural em Brasília e criticar a “flexibilização” de questões ambientais, o juiz afirma que o Setor de Diversões Sul tornou-se “um aglomerado de inferninhos e seitas religiosas”.
“O Setor de Diversões Sul, sonhado como uma ‘mistura em termos adequados de Piccadilly Circus, Times Square e Champs Elysées’ tornou-se um algomerado de inferninhos e seitas religiosas que convivem pouco amistosamente com o pouco de arte que ainda se produz por ali por alguns bravos resistentes”, afirma em um trecho da decisão.
O magistrado também diz que, ao medir o nível de ruídos em qualquer local de Brasília, é possível constatar que a poluição ambiental é “norma”. Fazendo uma analogia ao crime de estupro, ele argumenta que é errado aceitar níveis de ruído acima do tolerado, por mais que seja o padrão.
“Argumenta-se em prol da ‘flexibilização’ da Lei do Silêncio, com o fato de que toda a cidade já se ultrapassa cotidianamente o nível legal de emissão de ruídos. Meça-se o nível de ruídos em qualquer local de Brasília, e constatar-se-á que a poluição ambiental é norma. Assim, veicula-se a tese da naturalização e inevitabilidade da poluição, chegando-se, por raciocínio tortuoso e falacioso, à conclusão de que, como já está tudo poluído mesmo, então que se legitime a poluição de uma vez. Equivale ao raciocínio canalha do ‘se o estupro é inevitável, então que se relaxe e goze’.”
Ainda na decisão, o juiz diz que o Ministério da Cultura enfrenta um “desmonte”. Também aproveita para criticar a isenção de imposto a igrejas e outras organizações religiosas, que ele qualifica como “verdadeiras máquinas de dinheiro”.
“Em nível nacional, assiste-se ao melancólico desmonte do Ministério da Cultura, e a um histérico, injusto e boçal ataque desmedido contra instrumentos legítimos de fomento à cultura, tais como os incentivos materiais oriundos da Lei Rouanet (quase na mesma medida em que se despreza ou se estanca a discussão sobre a manutenção da injustificável isenção tributária de organizações religiosas que hoje se constituem em verdadeiras máquinas de arrecadar dinheiro)”, diz Maroja na decisão.
Ele também declara que “a cidade não pode ser vista como mero aglomerado de pessoas reunidas apenas pelo interesse de crescer e reproduzir-se (como porcos…), com a preocupação estrita de se fazer dinheiro a qualquer custo”.
Ao G1, a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça disse que o juiz e o tribunal não podem se pronunciar sobre decisões judiciais e que o magistrado “fala nos autos”. Até a publicação, o Ministério da Cultura não havia se manifestado.
Histórico
Também é do juiz Carlos Frederico Maroja de Medeiros a decisão de 2016 por suspender a mudança do nome da ponte Costa e Silva para Honestino Guimarães, no Lago Sul. Ele determinou que as placas com o nome fossem mantidas, mas que um desfecho para o assunto parta da Câmara Legislativa.
Em 2013, Maroja foi acusado de incluir em uma sentença termos ofensivos ao Ministério Público, e o Conselho Nacional de Justiça determinou que o TJ deveria decidir se instaurava ou não processo administrativo disciplinar contra o magistrado. O tribunal informou que não tem conhecimento de processo contra o magistrado.
Por Bianca Marinho e Gabriel Luiz, G1 DF