Doze entidades nacionais de Educação assinaram nota repudiando o modelo cívico-militar, mas no DF o ano letivo na rede pública começou hoje (11) com a implementação do modelo cívico-militar em quatro escolas de regiões ao redor do Plano Piloto, área central de Brasília.
São elas o Centro Educacional (CED) 308 do Recanto das Emas, CED 7 de Ceilândia, CED 1 da Estrutural e CED 3 de Sobradinho. Os colégios foram escolhidos a partir da análise socioeconômica da região, índices de violência e aproveitamento escolar. O modelo seguido é o adotado em Goiás, que reúne 50 colégios que seguem o sistema.
No país há 120 escolas com gestão compartilhada entre professores e militares. O modelo é defendido irresponsavelmente pelo governo federal, que pretende incentivar a expansão dessas escolas. O governo do DF (GDF) reconheceu a aprovação das unidades e começa nesta segunda-feira a implementar o modelo. A primeira semana será de adaptação. Os estudantes só usarão as fardas, típicas de escolas militares, no terceiro mês de aula.
A Secretaria de Educação do DF informou que se as práticas funcionarem, apresentando bons resultados, poderão ser estendidas para o restante da rede pública, que atualmente tem 693 escolas. Uma das primeiras práticas replicadas deverá ser um aplicativo para comunicação direta com os pais.
Porém, o modelo de educação cívico-militar divide opiniões. Os favoráveis defendem que o sistema gera índices elevados de aproveitamento escolar e o ensino de disciplina e regras. Os contrários afirmam que não cabe à polícia atuar dentro da escola e que o ideal é intensificar a segurança externa dos colégios.
Decisão
O modelo de gestão compartilhada, na qual os militares cuidam da parte administrativa e os professores da parte pedagógica da escola, foi anunciado em 11 de janeiro pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha.
Nas férias escolares, houve reuniões nas quatro unidades de ensino escolhidas como piloto. Segundo o governo do DF, para a escolha dos colégios foram considerados a violência na região, o baixo nível socioeconômico e o desempenho em avaliações do Ministério da Educação (MEC).
Outro critério foi a estrutura física da escola, que deveria estar apta a receber as atividades esportivas e musicais no contraturno.
No DF, a meta é implantar mais 36 unidades até o fim do ano. O GDF espera, até o fim do atual mandato, em 2022, chegar a 200 escolas.
VEJA NOTA DAS ENTIDADES DE EDUCAÇÃO
O governo federal, por meio do Decreto n. 9.465/2019, propôs uma alteração na estrutura organizacional do Ministério da Educação (MEC) e criou a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, vinculada à Secretaria de Educação Básica. Essa Subsecretaria assume a função de “promover, fomentar, acompanhar e avaliar, por meio de parcerias, a adoção por adesão do modelo de escolas cívico-militares nos sistemas de ensino municipais, estaduais e distrital, tendo como base a gestão administrativa, educacional e didático-pedagógica adotada por colégios militares do Exército, Polícias e Bombeiros Militares” (Brasil, 2019).
Essa medida pretende responder, como argumenta o governo, a dois anseios da população: desejo de ensino de qualidade (escolas estruturadas e disciplina escolar) e garantia de segurança. São anseios reais e compreensíveis, mas há equívocos que precisamos apontar.
Primeiro, há exemplos de escolas públicas não militares ou militarizadas com ainda melhores dados de excelência, a exemplo dos antigos CEFETs e atuais Institutos Federais e os Colégios de Aplicação ligados às Universidades Federais, como evidenciam dados do próprio IDEB. Cabe observar que boa estrutura, boa carreira docente e ambiente escolar disciplinado não devem ser confundidos com militarização, mas sim com investimentos públicos, administração profissional e comprometida, observância aos preceitos legais e gestão democrática contando com a participação da comunidade escolar.
Em segundo lugar, esta política educacional fere o direito universal à educação de qualidade para todos os cidadãos, tendo caráter excludente uma vez que a militarização é proposta como um modelo de “escolas de alto nível”, às quais serão garantidas as condições diferenciadas efetivas para o funcionamento, enquanto as demais escolas das redes públicas regulares padecem em precárias condições infraestruturais, tecnológicas, pedagógicas e de pessoal. As experiências de militarização, que vêm acontecendo no Brasil, revelam também um modelo de escolarização excludente e seletivo, uma vez que as escolas militarizadas têm o poder de decidir sobre a permanência ou não dos estudantes e apresentam graves índices de retenção; reservam vagas para os filhos de membros de determinadas forças armadas ou polícia militar; obrigam ao uso de uniformes caros e cobram contribuições mensais das famílias, ferindo a Constituição Federal quanto à gratuidade do ensino público. Esses fatores fazem com que a escola militarizada seja destinada apenas aos estudantes com melhores condições socioeconômicas, tornando-se, efetivamente, uma escola pública elitizada.
Na prática, há contradição entre o trabalho dos docentes, encarregado do ensino, e a gestão militar, pois esta não tem necessariamente formação pedagógica e se norteia por uma cultura institucional semelhante às instituições militares, cujo fim é a proteção e a guerra e não a vida cidadã numa sociedade democrática.
Nesse sentido, o modelo também apresenta um enorme potencial de prejuízo para a formação dos adolescentes e jovens quando valoriza excessivamente a disciplina e a obediência, por dois motivos: primeiro, por que a educação necessariamente exige uma abertura para a criatividade e a novidade, que são sua parte integrante, pois crianças e jovens vão à escola justamente para aprender e criar coisas novas através de conhecimentos historicamente acumulados e elaboração de suas experiências; e, segundo, por que a própria experiência de socialização de crianças e jovens exige também uma abertura para a brincadeira, para o lúdico, que não pode ficar submetido a um ambiente rígido de disciplina, formaturas, desumanização e plena uniformização militarizada.
Por fim, cabe reforçar o papel fundamental que os policiais têm para a segurança pública, que inclui a segurança nas escolas, mas uma coisa não pode ser confundida com a outra a ponto de a militarização ser colocada como a “grande solução” para uma política pública efetiva, que garanta de fato um ensino público de qualidade, universal e democrático.
Tendo em vista essas considerações, as entidades nacionais abaixo assinadas, manifestam sua preocupação e alertam para o equívoco dessa proposição.
04 de fevereiro de 2019
Associação Brasileira de Currículo (ABdC)
Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBEnBio)
Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC)
Associação de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPED)
Associação Nacional de Política e Administração Escolar (ANPAE)
Associação Nacional de História (ANPUH)
Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (FINEDUCA)
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE)
Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES)
Fórum de Ciências Humanas, Sociais, Sociais Aplicadas , Letras e Artes (FCHSSALA)
Fórum Nacional de Diretores de Faculdades, Centros de Educação e equivalente das Universidades Públicas (FORUMDIR)
Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio
Com informações da Agência Brasil e ANPED