Trabalhadores das políticas de assistência social reclamam do “desgoverno” de Ibaneis Rocha

Publicado em: 05/04/2019

Com a participação de representantes do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), de catadores de materiais recicláveis e de outros usuários do Sistema Único de Assistência Social (Suas), a Câmara Legislativa do Distrito Federal realizou audiência pública nesta sexta-feira (5). Recursos insuficientes, déficit de servidores na área, problemas na gestão das políticas e falta de espaços para participação social foram algumas das queixas apresentadas. Usuários e trabalhadores da assistência social dirigiram duras críticas ao governo de Ibaneis Rocha, usando expressões como “desgoverno” e “desmonte”.

À frente da audiência, a deputada Arlete Sampaio (PT) se comprometeu a encaminhar, oficialmente, as demandas e reivindicações ao governador e ao chefe da pasta, que não enviou nenhum representante para o debate. A parlamentar, que foi secretária de Assistência Social em 2011, lamentou que as políticas públicas da área estejam “em xeque” no DF e em todo o Brasil e cobrou a instalação do Conselho de Assistência Social (CAS): “Em três meses de governo, ainda não foram feitas as nomeações necessárias. Esse é um fórum de participação, e ele precisa existir e funcionar”.

Para o agente social e ex-morador de rua Rogério Soares de Araújo, conhecido como Barba, o GDF não tem interesse no funcionamento do CAS porque não quer ser fiscalizado – uma das atribuições do colegiado. “É um desgoverno o que governo está fazendo. Estão desmontando as políticas. Hoje nem nos recebem, somos barrados. Mas, se for preciso, vamos ocupar a Secretaria de Desenvolvimento Social e fazer greve de fome”, afirmou. Na opinião de Barba, o fato de o governo não ter enviado um representante para participar do debate desta manhã já demonstra o “desmonte” da pasta: “Não querem ouvir a gente”.

A história pessoal de Rogério Barba se mistura a diversas políticas públicas de assistência social. Nascido na rua em São Paulo, ele foi abandonado pelos pais e foi encaminhado a um orfanato, onde viveu até os 18 anos. Seu próprio nome lhe foi dado por um juiz. Ao sair da tutela do Estado, Barba perambulou pelas ruas de várias cidades, até chegar a Brasília em 2010. Aqui ele teve amparo para sair da rua (e deixar o crack). A partir disso, Barba trabalhou como porta-voz do projeto social da revista “Traços” e hoje tem um programa na TV Comunitária sobre a vida nas ruas. “Sou fruto de uma Sedesthmidh (Secretaria de Desenvolvimento Social) onde se dialogava”, conta.

Barba ressalta que as políticas públicas de assistência social têm de ser “pensadas em conjunto”. Para exemplificar, ele diz que não adianta o governo acolher pessoas em situação de rua por três meses e depois devolvê-la para as ruas: “Estão rasgando dinheiro”. Para quebrar esse ciclo, ele insiste ser preciso oferecer capacitação e oportunidades de emprego também.

Direito e, não, favor – Participantes da audiência empunharam cartazes dizendo que “a assistência social é um direito e não gesto de caridade de governos”. Os dizerem foram reforçados na fala de vários participantes. “É preciso efetivar a assistência, que é um direito, com serviços de qualidade”, defendeu o deputado Leandro Grass (Rede), que chamou a atenção do governo para tratar do assunto com seriedade.

Para implementar as leis que tratam de políticas para a área, não faltaram comentários sobre a necessidade de se realizar o concurso para a Sedesthmidh, cujas provas foram canceladas por suspeita de fraude no final de março passado. O deputado Fábio Felix (PSOL) destacou o déficit de servidores na pasta: “Faltam psicólogos, pedagogos, assistentes sociais e outros especialistas para fazer funcionar as políticas”, disse. Segundo informou o parlamentar, a banca responsável pela seleção, o Ibrae, já foi cobrada sobre as novas datas das provas.

Rogério Barba cobrou não só a realização do concurso, mas a nomeação dos aprovados: “Ter concurso e não nomear é passar mel na minha boca”.

O presidente do Sindicato dos Servidores da Assistência Social e Cultural (Sindsasc), Clayton Avelar, estima que, das 314 vagas para contratação imediata, 260 serão para a assistência social. Ele pediu o apoio da Câmara Legislativa para incluir previsão orçamentária para a contratação dos outros 1,5 mil do cadastro de reserva.

Prestação de serviços – Durante a audiência, Avelar elencou uma série de problemas e carências em equipamentos públicos como os centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS). “Visito todas as unidades e ouço depoimentos cada vez mais dramáticos”, disse.

Conforme apontou o sindicalista, o CREAS de Brazlândia só tem três servidores, um deles perto de se aposentar; em Planaltina, o CRAS só tem uma servidora especialista, que é pedagoga e, no Recanto das Emas, o CRAS funciona com apenas uma especialista, no caso, uma psicóloga. E a lista de problemas não para aí. Segundo Avelar, na Casa Abrigo, os servidores têm de comprar, com seu próprio dinheiro, os materiais de higiene para os beneficiários.

Já a beneficiária Therezinha Silva reclamou da falta de um espaço próprio para o CRAS de Santa Maria. Além disso, segundo contou, as famílias só têm direito a receber três cestas básicas por ano. “Não queremos esmola. Nós pagamos impostos”, esbravejou. Por sua vez, Lúcia Maria, da Cooperativa dos Recicladores da Cidade Estrutural (Coorace), reclamou dos atrasos no pagamento dos auxílios moradia e aluguel: “Só chega seis meses depois. Que direito nós temos? Esse não é um governo para pobre, é para rico”.

Parte dessa situação, acredita o presidente do Sindsasc, se deve ao “maldito ajuste fiscal”: “O orçamento da assistência social está menor a cada ano e, não satisfeito de cortar os recursos, o governo ainda contingencia”.

Ana Lígia Gomes, da Frente Nacional em Defesa do Sistema Único de Assistência Social e da Seguridade Social, alertou para a possibilidade de paralisação das políticas da área não só no DF, mas em todo o Brasil. De acordo com ela, o déficit do orçamento para a assistência está na casa dos R$ 40 bilhões. “A desigualdade social aumentou, e as políticas pioraram ou estão entrando em paralisia”, disse. Para ela, os usuários do Suas precisam se organizar e se mobilizar para garantir seus direitos: “É preciso criar tensão e pressão para terem visibilidade”.

 

 

Denise Caputo

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