Boston– Enquanto cristãos no mundo inteiro estão voltados para as celebrações espirituais e gastronômicas da Sexta-feira Santa (7) e da Pascoa no próximo domingo (9), pelo menos dois ditos “cristãos” estão tentando desesperadamente escapar de arder nos mármores do inferno: Donald Trump e Jair Bolsonaro.
Coincidentemente e ironicamente a Justiça resolveu cobrar contas, ao mesmo tempo, dos dois ex-presidentes da República mais bizarros e socialmente perniciosos à democracia dos Estados Unidos e do Brasil, sobre crimes que eles cometeram durante as suas gestões.
A situação é histórica e não tem precedentes. Donald Trump (Republicanos) responde à acusação aparentemente menor a que ele deve (comparado ao caso de Al Capone pego em evasão fiscal) feita por um grande júri de Nova York sobre suborno envolvendo a atriz pornô Stormy Daniels durante a sua campanha eleitoral de 2016 para ela ficar calada sobre um suposto caso extra-conjugal que ele teria tido com ela e que ele negou em juízo.
Já o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi intimado pela Polícia Federal no inquérito que apura possíveis crimes no caso que envolve o recebimento de joias e armas no valor de mais de R$ 16 milhões da Arábia Saudita. O inquérito quer averiguar se os presentes seriam suborno pela venda da refinaria de petróleo Landulpho Alves com deságio para uma nação árabe, além de crime por contrabando, já que os presentes ultrapassam o valor de entrada de mercadorias estrangeiras permitido no Brasil e não foram declarados à Receita Federal.
Hoje, terca-feira (4 de abril), o ex-presidente norte-americano, que está em New York, se entrega à Justiça onde terá as suas digitais coletadas. E, em vez de ser mantido em uma cela, como é de praxe para alguém acusado de um crime que se entrega, ele será transportado para a sala de julgamento, onde as acusações serão lidas para ele e os ritos processuais sobre o seu julgamento terão início.
O presidente Jair Bolsonaro será ouvido amanhã, quarta-feira (5), na Polícia Federal, em Brasília. O antigo ajudante de ordens do ex-presidente brasileiro, tenente-coronel Mauro Cesar Lourena Cid, também foi intimado pela Polícia Federal. O ex-ministro das Minas e Energia do governo Bolsonaro, Almirante Bento Albuquerque, já prestou depoimento, por sinal contraditório ao que ofereceu quando cometeu o crime como “mula”, ao passar na Alfandega com algumas das joias escondidas numa mochila para não declarar as mesmas.
Apesar de ações jurídicas de natureza diferente e às vezes semelhante, ambos Trump e Bolsonaro, vão enfrentar, daqui por diante, múltiplos processos. Além desse caso de suborno que corre no tribunal de Manhattan, há também uma investigação do condado de Fulton, na Geórgia, sobre interferência e Trump nas eleições de 2020. O conselheiro especial do Departamento de Justiça, que está investigando a insurreição de 6 de janeiro no Capitólio, também detectou possíveis esforços do ex-presidente para anular as eleições de 2020 naquele condado.
O procurador especial do Departamento de Justiça também está investigando os documentos classificados que foram encontrados na mansão de Donald Trump em Flórida, a Mar-a-Lago. Há evidências de possível obstrução por Trump, tentando bloquear a investigação, ao impedir a devolução desses documentos.
A Revista The Atlantic arrisca que só o primeiro processo contra o ex-presidente norte-americano lançou a nação em águas políticas, legais e históricas desconhecidas. Há uma série de questões sobre como esses casos criminais se desenrolarão.
Quanto a Jair Bolsonaro, só na pandemia da Covid-19, que matou mais de 600 mil pessoas, ele cometeu 10 crimes, segundo o relatório da CPI, alguns previstos no Código Penal, com pena de prisão e/ou multa, que poderiam chegar a quase 40 anos, em caso de pena máxima e 20 anos de detenção em hipótese de pena mínima.
Dentre entre crimes, estão o de má gestão da epidemia que resultou em mortes; infração de medida sanitária preventiva; charlatanismo; incitação ao crime; falsificação de documento particular; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação; crimes contra a humanidade, nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos; e crime de responsabilidade por “violação de direito social, incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo”.
Não está se falando ainda em genocídio, no caso dos Yanomani; no inquérito das Fake News que corre no STF, envolvendo o ex-presidente e os filhos na formação de uma organização criminosa de mídia digital; na responsabilidade dele pelos atentados de 8 de janeiro ao Congresso e a sede do Supremo Tribunal Federal; e nos crimes eleitorais com farta evidência para levar Jair Bolsonaro à inelegibilidade por vários anos.
Os caminhos de Trump e Bolsonaro se cruzam em várias circunstâncias, a começar pela amizade compactuada entre ambos, assessoria política e estratégias de ação conjuntas e similares. Eles representam, sem dúvida, o que de mais extremo a extrema direita do neoliberalismo associada ao nazi-fascismo poderia alcançar no século 21, apesar de cultivarem retrocesso e mentalidade de Estado do século 16-17.
Ambos são sociopatas, grosseirões, tem péssimo comportamento, defendem a arma no lugar de livros, cultuam e espalham a mentira, o desrespeito, a agressão, a violência e o discurso do ódio em nome da liberdade de expressão. Negam a ciência, fomentam a xenofobia, o machismo, o racismo, a lgbtq+fobia, a misogenia, a intolerância religiosa. Pregam a união do Estado com a Igreja. Eles cometeram crimes (a não ser que a justiça prove o contrário) contra a democracia norte-americana e brasileira ao violar e privar direitos dos cidadãos.
O surreal é que Trump e Bolsonaro ainda almejam a re-eleição. Milhões de pessoas votaram nele duas vezes e ainda esperam que eles voltem ao poder na Casa Branca e no Palácio do Planalto. Isto porque eles se beneficiaram e continuam se beneficiando da máquina de extrema direita que domina a lógica da tecnologia algorítmica manipulando mentes e a informação. Aprisionados em bolhas digitais, essas pessoas são levadas a uma insanidade mental coletiva, semelhante ao comportamento em seitas e fanatismo.
A sociedade moderna ainda não está preparada para lidar com os crimes digitais, embora estejam já ocorrendo várias formas de punições. Tais como, suspensão de contas em mídias sociais, desmonetizaçoes pelas proprias plataformas de mídia, retiradas de posts, etc. Mas são medidas consideradas ainda como muito tímidas para coibir esses tipos de delito.
Com as ações iniciadas essa semana na Justiça comum contra Trump e Bolsonaro, mesmo que aparentemente pareçam “ações menores” diante das contas que ambos terão que prestar, tudo indica que trumpismo e bolsonarismo iniciam agora uma nova fase de desconstrução (a primeira fase foi marcada pela derrota eleitoral de Trump e Bolsonaro em 2020 e 2022 respectivamente).
Assim, cristãos norte-americanos e brasileiros vão poder repartir o pão e beber vinho este ano mais confiantes na Justiça Humana além da expectativa que já faziam na Justiça Divina. Aqueles que não comungam com o cristianismo, ou qualquer outra religião, também podem comemorar os novos tempos. Finalmente há sinais de que a lei de causa e efeitos não vai falhar.
Ana Alakija é jornalista com Mestrado em História pela Salem State University, Massachusetts