As Leis e Normas que Bolsonaro Infringiu nos Estados Unidos

Publicado em: 16/05/2023

Ana Alakija
Ana Alakija

De Boston – Após a batida policial na casa do ex-mandatário da República Jair Bolsonaro, em Brasília, apreensão de documentos, de seu celular e prisão de alguns dos seus ex-auxiliares pela PF  há 14 dias por suspeita de organização criminosa e falsificação de cartões de vacinação contra Covid-19, uma especulação  veio à tona.

 

Teria Jair Bolsonaro e seus acompanhantes infringido normas e leis nos Estados Unidos no período em que ele se “exilou” em Orlando? É o que vamos ver neste artigo.

 

As autoridades norte-americanas não afirmam nem desmentem isso, porque situação de imigração de um indivíduo é assunto confidencial. Mas tudo indica que Bolsonaro e seus acompanhantes passaram na imigração usando a regra de exceção diplomática, de acordo com as normas do Centro de Prevenção de Doenças  durante a epidemia da Covid-19, e assim não apresentaram prova de imunização. Mas ainda assim eles podem ter infringido no mínimo duas leis e uma norma norte-americana.

 

De acordo com as leis estadunidenses, é crime de falsidade ideológica para quem portar cartão de vacinação fraudulento em seu território. E, de acordo com as normas sanitárias, todas as pessoas que entraram nos Estados Unidos sem estarem imunizadas contra a Covid-19 devem se vacinar contra o vírus após trinta dias em solo americano ou realizar testes a cada 30 dias de estadia no país.

 

Bolsonaro e sua comitiva portavam cartões de vacinação contra Covid-19? Os cartões eram falsos? Estavam vacinados? Vacinaram nos Estados Unidos depois de 30 dias ou fizeram os tais testes? Bolsonaro afirma que ele e a filha nunca vacinaram e que ele desconhece a existência de tais certificados.

 

Registros no Ministério da Saúde provam que os certificados foram emitidos em seu nome, no de sua filha e no de alguns de seus auxiliares a partir do Palácio do Planalto, na véspera de sua viagem para Orlando, através  de um pedido feito por seu ajudante de ordens o tenente-coronel Mauro Cid, preso pela Policia Federal na mesma operação.

 

O crime de falsidade ideológica por portar cartão de vacinação falso contra a Covid-19  é explicado pelas autoridades do FBI, que flagraram situações de fraude em pelo menos dois  estados, Vermont e Illinois. O motivo é simplesmente porque esse tipo de fraude coloca pessoas em perigo, pelo alto nível de contágio do coronavírus,  especialmente num país populoso como os Estados Unidos e no qual morreu a maior população por contração do vírus e suas complicações durante a pandemia––quase o dobro de pessoas que morreram no Brasil.

 

Além disso, o FBI alerta que portar cartões falsos de vacina anti-Covid-19 é uma atividade ilegal e os portadores de tais documentos podem enfrentar severas penalidades. Contudo, na mente do ex-presidente Jair Bolsonaro leis ou normas não são uma preocupação, nem seu cognitivo consegue compreender que cartões de vacinação falsos podem prolongar uma pandemia.

 

Se analisar a lei norte-americana na letra fina, o crime de falsidade ideológica do ex-presidente Jair Bolsonaro pode se agravar porque um dia após a sua entrada nos Estados Unidos, ele já não era mais presidente da República do Brasil e, portanto, não gozava mais de imunidade diplomática.

 

A situação dele de perda da imunidade foi denunciada publicamente através de ofícios de parlamentares  do Congresso estadunidense ao presidente dos Estados Unidos Joe Biden e às autoridades de imigração do país. Isso significa que se a Polícia de Imigração, conhecida como ICE, batesse a sua porta, ele e seus auxiliares estariam implicados.

 

A propósito, não sei porque não bateu. Por ironia do destino, no governo dele, ele próprio assinou uma portaria em 2019, a pedido de Donald Trump, dando poder aos Consulados Brasileiros nos Estados Unidos de cooperarem com as autoridades de imigração norte-americana, o que facilitou  a localização de brasileiros ilegais e o inicio de processo de extradição dos mesmos.

 

Quem não lembra das declarações que Jair Bolsonaro deu quando assumiu o governo em 2019 contra brasileiros nos Estados Unidos dizendo que a grande maioria “…não tem boas intenções nem quer fazer bem ao povo americano”? E dos fretes sucessivos de vôos feitos pelo governo norte-americano para deportar brasileiros indocumentados, diga-se de passagem, algemados, numa indigna condição humana, por conta dessa portaria?

 

Quatro anos depois, Bolsonaro e seus filhos usam de expedientes similares que certos brasileiros usam para burlar leis de imigração nos Estados Unidos. Um desses recursos é entrar no país com um tipo de visto –– geralmente o de visitante, turista–– e deixar “cair” esse status naturalmente. Eles se tornam ilegais depois não retornarem ao Brasil na data estabelecida e carimbada no passaporte pela polícia de imigração.

 

Outro recurso, mais agravante, é o do “golpe da barriga”. Isto é, a gestante entra no país de forma legal, geralmente com o visto de turista, e faz o parto no país, visualizando uma situação futura de obter a cidadania norte-americana por conta da criança nascida nos Estados Unidos.  Qualquer coincidência desses exemplos citados aqui com a família Bolsonaro, não é mera semelhança.

 

É publicamente notório que Bolsonaro e sua comitiva entraram nos Estados Unidos no dia 31 de dezembro de 2022, usando prerrogativas de chefe e comitiva de estado, quando na verdade ele saiu do país para se esquivar de dar posse ao seu sucessor no dia 1º de janeiro de 2023, o presidente então eleito Luís Inácio Lula da Silva, e também para driblar várias investigações em curso sobre abusos de poder durante seu mandato.

 

Enquanto esse artificio por ele criado infelizmente não configura crime em si, a situação é imoral, quando um dia depois em solo norte-americano, ele perdia o fórum privilegiado de presidente da República e seu status diplomático passou a não ser mais válido para sustentar a sua estadia, que, entretanto, durou três meses.

 

O ex-presidente possivelmente teve o tempo de tolerância de 60 dias para aplicar por um outro tipo de visto e solicitar uma extensão de estadia, como realmente o fez. Mas tudo indica que o visto de um visitante comum (turista) e ou a extensão não foram aprovados, pelo seu consequente retorno ao Brasil em 30 de março. Observando aqui que é preciso ter argumentos convincentes para ter a extensão de estadia concedida, incluindo boa conduta, o que absolutamente o ex-presidente Bolsonaro notoriamente não tem.

 

Enquanto esperava pela resposta da extensão, Bolsonaro, de certa forma, estava “coberto pela lei” e, digamos, aparentemente “legal”. Mas se apresentou esse documento para solicitar um novo tipo de visto e ou extensão da sua estadia, ele e sua equipe cometeram duplamente o crime de falsidade ideológica, pois tentaram “driblar” autoridades norte-americanas.  Resta saber se esse crime ainda é passível de apuração, já que o acusado sequer se encontra mais em solo norte-americano.

 

O mesmo pode não ser verdadeiro se Bolsonaro apresentou o cartão de vacinação para entrar em determinados recintos, como parques e restaurantes.  Isso pode até não ter acontecido,  já que o governo do estado da Flórida e outros estados do sul foram e são mais flexíveis com medidas sanitárias. Não é a tôa  que esses estados acumularam muito mais pessoas nas estatísticas como vítimas da Covid-19 do que na New England.

 

Mas o simples fato de Bolsonaro circular em ambientes públicos comendo seu frango frito (foto), aglomerar, abraçar, apertar a mão e beijar pessoas sem atentar para as normas sanitárias do país,  caracteriza uma violação grave em si. De acordo com as normas sanitárias dos Estados Unidos, após 30 dias em solo americano, Bolsonaro (e sua equipe) deveriam ter realizado testes para o vírus da Covid-19 no caso de não terem sido vacinados.  Se ele não vacinou, como continua afirmando, e não tomou esses cuidados, estava infringindo também essas normas.

 

O seu comportamento foi portanto irresponsável e criminoso. Ele não poupou sequer a sua filha de 12 anos, que viajou durante a sua estadia em Orlando com a mãe, a então primeira-dama Michelle Bolsonaro  para visitá-lo. Laura  é também suspeita de ter tido um cartão de vacinação emitido no Brasil de forma fraudulenta pelo tenente-coronel Mauro Cid. Pelas normas sanitárias dos Estados Unidos, Laura sequer precisaria ter sido vacinada (e portanto portar um cartão) por conta da idade.

 

O depoimento de Jair Bolsonaro à Polícia Federal sobre os certificados de vacinação  é aguardado com muita expectativa para hoje (16 de maio). Sabendo nós que o ex-presidente tem dificuldade de lidar com a verdade. O depoimento do tenente-coronel Mauro Cid será na quinta-feira. Muita água sobre esse assunto ainda vai rolar.

 

Ana Alakija é jornalista com Mestrado em História pela Salem State University, Massachusetts

 

 

 

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