CÉSAR FONSECA
Ao descolar da miragem abstrata do déficit zero neoliberal conduzido por Haddad, o presidente Lula opta pelo real, concreto, objetivo, o capitalismo produtivo contra o especulativo e poder favorecer um dos seus mais importantes representantes, Josué Alencar, presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, na Fazenda. Seria mudança da Faria Lima, tapete dos bilionários do rentismo e da ganância, para o chão de fábrica no Tatuapé, em busca do emprego, salário, consumo, produção, arrecadação e desenvolvimento sustentável que alavancaria industrialização e PAC.
A declaração corajosa da presidente do PT, Gleisi Hoffman, de que Lula assumiu a responsabilidade por uma meta inexequível, a do déficit zero, articulada por Haddad com a Faria Lima e com o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, atende, substancialmente, às demandas objetivas do PT pelo capitalismo produtivo, encarnado no titular da Fiesp, que defende programa para o setor industrial semelhante ao concebido para o agronegócio. De quebra, Gleisi fortalece no partido seu nome para disputar vaga que o senador bolsonarista lavajatista Sérgio Moro perderá pela prática de corrupção com verbas partidárias.
O descolamento de Lula do neoliberalismo radical da Faria Lima que, indiretamente, estava bancando, ao manter Haddad como responsável maior pelo arcabouço fiscal neoliberal, de efeitos paralisantes na economia estancada pela política jurista monetarista do Banco Central, abre novo momento no cenário político, econômico e social.
GOVERNO DIVIDIDO
A situação de Haddad contribui para um racha dentro do governo entre desenvolvimentistas e neoliberais, estes acomodados num processo de negociação com o deputado Lira cujos efeitos evidenciam fragilidade governamental aparente, devido a sua posição minoritária no legislativo, a qual piora, cada dia mais, as expectativas econômicas.
Tal quadro reflete, por sua vez, queda na popularidade de Lula, conforme detectam pesquisas, nas últimas semanas, sinalizando mudança acentuada do humor da base lulista com a situação geral captada entre trabalhadores. Afinal, o espírito do lulismo, abalado pelo fato de estar sustentando política econômica neoliberal, a contragosto, antevê derrota eleitoral nas disputas municipais no próximo, com reflexos para a sucessão presidencial de 2026.
O contrapolo da insatisfação petista com a política econômica anti-crescimento, sem se ter certeza quanto à reversão de expectativas, levantadas pelos governistas liberais de que a situação mudaria com (im)previsível aumento de arrecadação, nada assegurado, é, evidentemente, a satisfação da oposição alimentada pela aposta no desgaste de Lula com a economia atolada em areia movediça.
Possível mudança pré-anunciada de rechaçar déficit zero, adequada aos interesses do rentismo, no compasso de desgaste de Haddad, depende das circunstâncias. Estas estão agravadas negativamente por não garantir desenvolvimentismo sustentável, o que remete Lula ao passado do seu primeiro mandato, que recebeu de FHC herança de inflação e endividamento público bloqueador de desenvolvimento.
Para acalmar a Faria Lima, da ocasião, adotou o que a oposição pregava: prioridade ao ajuste fiscal neoliberal ditado por Washington(superávit primário, metas inflacionárias e câmbio flutuante), com Palloci no comando da Fazenda.
Com um ano e pouco de Antônio Palocci no comando da economia, Lula caiu na real quanto à armadilha que o levaria à derrota eleitoral, caso seguisse mesma receita de FHC, no último mandado, sob ordens do FMI, favorável ao arrocho fiscal e aceleração de privatizações. O presidente despachou Palocci e seu ajuste neoliberal e colocou no seu lugar Guido Mantega, que ficaria oito anos no poder, comandando desenvolvimentismo sustentável, sob ataque permanente da Faria Lima, porém, apoiado pelos empresários, aliados do seu vice, José Alencar.
DESENVOLVIMENTISMO DE VOLTA?
O desenvolvimentismo manteguiano por quase uma década garantiu reeleição de Lula e mais duas vitórias eleitorais de Dilma Rousseff, período – 2003-2016 – durante o qual o petismo viveria sua glória, somente derrubado pelo golpe neoliberal de 2016, teleguiado por Washington e elite conservadora tupiniquim, descrente com seguidas derrotas eleitorais para o PT a dar passos decisivos na democratização do poder político.
A possibilidade de Lula optar por um empresário na Fazenda se ancora na impossibilidade de o desenvolvimento sustentável ter futuro a partir de projeto neoliberal concebido pela trinca Febraban-Insper-Faria Lima, o suprassumo do rentismo, que se sustenta na política monetarista concebida por Banco Central Independente, cuja prioridade é manter juros extorsivos que inviabilizam investimentos produtivos.
Previsível opção lulista por empresário e não por economista na Fazenda mira na experiência do próprio Lula, que teve como vice-presidente o empresário José Alencar, pai do atual presidente da FIESP, Josué Alencar, como o pai, crítico do BC Independente antinacionalista.
A experiência de empresário na Fazenda não seria novidade. Com Sarney, a pasta foi comandada pelo empresário nacional-desenvolvimentista, Dilson Funaro, crítico do neoliberalismo que encabeçou projeto de renegociação da dívida, como havia feito Getúlio Vargas, na década de 30, quando, então, pode a economia crescer sustentavelmente por cerca de dez anos de 1932 a 1940.
Funaro não se segurou no cargo, porque o então MDB, sob comando do deputado Ulisses Guimarães, porta-voz da elite paulista, anti-getulista, que dera o contra-golpe de 1932, não apoiou Sarney, na batalha contra os neoliberais, hoje instalados na Faria Lima.
Ulisses preferiu não encarar Wall Street, depois que Paul Vocker, presidente do FED, puxou os juros de 5% para 25%, em nome do combate à inflação e defesa do dólar. Sarney mergulhou no colapso cambial e Funaro morreu enforcado, dando lugar a Marcílio Marques Moreira, homem do mercado financeiro.
O ensaio cogitado por forças lulistas desenvolvimentistas de que Lula pode optar por empresário na Fazenda, para dar guinada no neoliberalismo, que não o deixa governar, abre novo cenário nacional em meio a uma conjuntura internacional de incerteza total.