CÉSAR FONSECA – As guerras na Ucrânia e na Palestina-Gaza abrem a Era do Capitalismo Atômico, a comercialização globalizada de mercadorias atômicas e nucleares.
Caem por terra os tratados internacionais assinados entre potências para limitar produção e consumo de armas nucleares.
Eles estão caducando, como o que acaba de acontecer, com a Rússia eliminando acordos de limites de fabricação de armas atômicas, afirmando soberania russa.
Cria-se, a partir de agora, novo paradigma: quem não fabrica armas atômicas, poderá comprá-las no mercado, acompanhadas da devida assistência técnica, como é de praxe na compra de qualquer mercadoria, dotada do seu respectivo manual de funcionamento, no capitalismo moderno concorrencial.
A humanidade chega ao auge em que todos estarão armados atomicamente como fator global dissuasório das guerras.
Se todos podem ir ao mercado comprar sua arma, no cenário de democratização da oferta e demanda, no modo de produção capitalista, anula-se perigo de guerra, ou não?
Mutatis mutantis, é como a discriminação das drogas.
Se todos podem fabricá-las e consumi-las, encerram motivos que sustentam o tráfico e o crime, mediante guerras fratricidas entre gangues.
Se o Hamas pode ir ao mercado comprar sua bomba atômica e seus mísseis supersônicos, para se proteger de Israel, armado até os dentes pelos Estados Unidos, os militantes islâmicos passam a ser treinados para utilização desse armamento em igualdade de condições no mercado atômico.
Basta ter dinheiro, que será emprestado pela comunidade árabe.
Muda-se, portanto, a correlação de forças relativamente a Israel, armado e financiado pelo mercado financeiro e pela indústria armamentista.
Por que os terroristas sionistas podem e os seus concorrentes islâmicos não podem, em razão de tratados internacionais, regulados pela ONU cujo poder é fantasia?
JOGADA DISSUASSÓRIA RUSSA
No rastro da Guerra na Ucrânia, a Rússia, virtual vencedora do conflito, deu passo decisivo em tornar letra morta acordo que limita fabricação e, consequentemente, consumo de armas nucleares, eliminando privilégio de tal prerrogativa ser utilizada, apenas, por Estados Unidos.
Em vez de existirem somente cinco potências atômicas dotadas do direito de comercializá-las e consumi-las, conforme tratados firmados, exclusivamente, entre elas, a ação de Putin inverte a lógica com fixação de novo status quo.
Nova correlação emerge no cenário global com a expansão do capitalismo atômico expresso na comercialização generalizada de mercadorias atômicas.
Marx partiu da mercadoria para elaborar a teoria do Capital e o modo de produção capitalista, essencialmente contraditório, marcado pela tendência de sobreacumulação de capital x insuficiência crônica de demanda global que leva o sistema ao subconsumismo e à crise.
Eis que a mercadoria atômica, cuja produção e consumo, estava limitada por tratados restritivos assinados por somente aqueles que a fabricam, exercitando oligopólio atômico, tem direito à livre circulação semelhante a todas suas congêneres no modo de produção capitalista.
NOVO CENÁRIO DA GUERRA COMO MERCADORIA
Essa possibilidade foi aberta depois da guerra na Ucrânia, com a Rússia rompendo com tratado internacional que limita fabricação de especificações sofisticadas de armas atômicas.
Essa alternativa aberta pela supressão de limites, os quais o império americano, diga-se, jamais respeitou, cria nova correlação de forças globais.
Tal circunstância está relacionada pelos fatores objetivos que condicionam as relações conflitantes entre potências e suas respectivas alianças no contexto de nova geopolítica marcada pela polaridade entre o Norte Global e o Sul Global.
Desse ponto de vista, interessa ao Sul Global, que se organiza em torno da força militar e comercial China-Rússia, no contexto dos BRICS, o fortalecimento atômico do bloco diante do Norte Global, cuja força atômica se organiza em torno dos Estados Unidos.
Se os países do Sul Global ainda não têm infraestrutura atômica, como dispõem Rússia e China, e se encontram ameaçados pelas forças atômicas dos Estados Unidos e seus aliados da OTAN, a superação dessa desvantagem estará na liberdade de comércio dos produtos atômicos.
Os aliados de Rússia e China, nesse novo contexto, poderão adquirir suas armas, comprando-as no crediário capitalista dos seus parceiros chineses e russos, mediante trocas de moedas locais, acelerando, consequentemente, desdolarização global, por que não?
A supressão dos acordos limitadores de consumo e produção das armas nucleares democratiza o mercado consumidor e produtor atômico.
CAPITALISMO ATÔMICO
Do ponto de vista capitalista, as armas atômicas, bélicas e espaciais mais sofisticadas, desenvolvidas pela Rússia, que a capacita a destruir adversários, onde quer que estejam, são mercadorias como outra qualquer.
Poderão ser comercializadas pelo Hamas como fator de dissuasão diante das forças de Israel, no livre comércio que garante acesso ao consumidor antes de ser fabricante, tarefa assegurada no contexto da nova geopolítica do Sul Global coordenada, por exemplo, pelo BRICS.
O que passa valer é a estratégia do país produtor de mercadoria em sua especificidade bélica e atômica de dispor de aliados para os quais oferece seu produto como forma de proteção e organização geopolítica de aliados entre si.
Portanto, a Rússia, nesse aspecto, acaba de romper um paradigma.
O buraco, agora, é mais embaixo.
As sanções comerciais de Washington contra Moscou, durante a guerra na Ucrânia, não foram suficientes para destruir o poder militar, bélico, espacial, econômico e geopolítico da Rússia, especialmente, depois que se aliou à China em 2021.
A desorganização da Europa, como grande aliada de Washington, por ter sido obrigada a se afastar da Rússia, fornecedora de gás e energia barata ao continente europeu, fragilizou, ainda mais, a moeda americana, afetada por dívida pública especulativa de 33 trilhões de dólares.
As consequências estão na ordem do dia: inflação, desvalorização cambial do euro, desarticulação do Estado de Bem Social-Democrata Europeu, desemprego e desindustrialização sem limites.
Nesse cenário de desaceleração do poder ocidental que cede espaço aos BRICS, comandados por China e Rússia atômicos, cresce a autonomia do discurso atômico multipolar frente ao discurso unipolar americano que relativiza o poder atômico global.
A Rússia, portanto, conquista autonomia para comercializar em moedas locais suas armas atômicas, para seus aliados políticos, no enfrentamento geopolítico com os Estados Unidos.