CÉSAR FONSECA – O momento é de ler Breno Altman, em “CONTRA O SIONISMO – Retrato de uma Doutrina Colonial e Racista”, Ed. Alameda.
O processo histórico é longo e cansativo, às vezes, e, quase sempre, lança nuvens muito brumosas que fazem dificultar/desistir mesmo o mais perspicaz e insistente em acompanhá-lo para chegar às conclusões lógicas e necessárias ao entendimento do seu trajeto dialético.
Especialmente, na maioria da população classe média nos países culturalmente subdesenvolvidos e vira-latas, como o Brasil, acostumado a se (des)informar por uma mídia antinacionalista, ligada mais aos interesses externos do que internos, predomina o espírito raso, acrítico, preconceituoso etc.
Mas, o processo é sempre espetacular, dada a inevitável cronologia dos fatos, que forma uma estética específica, envolvente e bela em sua interioridade e exterioridade simultâneas e intrínsecas.
Afinal, revela o caminho das gentes no seu trajeto histórico pela construção da sociedade, da humanidade e do mundo.
Quem não é seduzido por essa grandiosidade extensiva e intensiva ao mesmo tempo, que, invariavelmente, diz respeito a nós próprios?
Assim, é fundamental acompanhá-lo, com energia e determinação, para adquirir o instrumental compreensivo que forma a consciência crítica cidadã, que tanto irrita as elites, cuja função é obscurecer a realidade para dominá-la e subjugá-la a seu favor, a fim de eternizar seu poder.
O materialismo histórico, nesse sentido, é imbatível como luz geral, esclarecedora.
MARXISMO DIALÉTICO
Breno Altman, jornalista, marxista, comunista, judeu, estudioso da história judaica, vai em sua obra ao ponto central para discutir o problema candente do massacre genocida do sionismo judeu, apoiado pelo imperialismo americano, contra os palestinos, na Faixa de Gaza.
Apoia-se em Marx, autor de O Capital, inspirado em Hegel, base fundamental da dialética marxista, ancorada no materialismo histórico, para discorrer sobre a contradição fundamental em que se opõem judaísmo e sionismo.
Não é a religião judaica que explica o judaísmo, mas é o judaísmo, como processo histórico, que explica a religião judaica na sua formação materialista, no interior da luta de classes que move a história.
Os judeus, socialmente excluídos nas sociedades antigas, agrárias, por não possuírem terras, mas sendo obrigados a se venderem como mão de obra para os proprietários rurais, descolam-se da propriedade para sobreviverem como comerciantes.
Nessa condição, desenvolvem o sentido exato do risco implícito às suas atividades mercantis, sujeitas à variável infinita do preço das mercadorias, formado pelas circunstâncias materiais determinadas pela circulação da riqueza.
A subjetividade idealista se constrói a partir da objetividade dos fatos e a multiplicação dos objetivos a serem alcançados se espraia na atividade prática.
O agricultor, ser estático, amarrado à propriedade da terra e suas condicionantes, vira, historicamente, objeto do dinâmico sujeito judeu, manipulado pelo poder do dinheiro que extrai da sua atividade prática mutante.
“Tudo muda, só não muda a lei do movimento, segundo a qual tudo muda” (Hegel) – e o movimento faz o preço da mercadoria, que, segundo Marx, é o produto do trabalho, medido por tempo trabalhado etc.
NASCIMENTO DO ÓDIO
Os judeus, em sua mobilidade comercial, viram alvo do ódio dos agricultores, que não têm a mobilidade judaica para fazer fortuna.
São instrumentos dos reis para acumularem, pelo seu trabalho, fortunas para o reino, enquanto os judeus acumulam o capital do qual os reis dependem para expandir seus domínios territoriais, a fim de dominaram, pela guerra de conquistas, outros agricultores que se transformam em escravos do reino etc.
O antissemitismo é isso aí: o poder estático da produção agrícola contra o poder dinâmico do comércio.
Por isso, explica Breno, o domínio judeu se amplia tanto na antiguidade como no feudalismo – sociedades agrárias – e somente se arrefece com expansão do capitalismo, da burguesia – sociedade industrial –, que, ao ficar rica, dispensa o judeu como seu exclusivo financiador.
Afinal, o burguês capitalista vira capital para sua indústria, como, no passado o capital das monarquias vinha do comércio manipulado pelo judeu.
O industrial acaba virando banqueiro, ou seja, judeu para si mesmo.
O ódio antissemita contra o judeu dará origem ao seu antidoto: o sionismo judaico.
Trata-se de movimento doutrinário que nasce depois que Marx, em “A questão judaica” diz, como destaca Breno, que “não iremos encontrar o segredo do judaísmo em sua religião, mas o segredo da religião no judaísmo real”.
É a história material do judaísmo que explica a religião judaica e não a religião judaica o judaísmo, configurando a exatidão do materialismo histórico marxista.
A história dos hebreus/judeus e dos árabes, seus irmãos, subjugados pelos romanos, que os lançam na Palestina, mas que, ao mesmo tempo, os separam, dado que os judeus jamais renunciam à sua especificidade religiosa, razão do antissemitismo que o perseguem, é longa e dramática, mas, essencialmente, trata-se de luta de classe.
No capitalismo, os judeus e seu capital comercial perdem, relativamente, espaço para a burguesia industrial porque não tinham se constituído em Estado, que, segundo Marx, é capital.
SIONISMO X MARXISMO
Teria surgido o sionismo, no final do século 19, como antídoto ao marxismo, que antecipou o seu futuro imperialista, expansionista e colonial, quando se transformou em Estado, portanto, em capital, poder sobre coisas e pessoas?
Breno deixa no ar o assunto polêmico, mas destaca que no comando do Estado Soviético, em 1917, havia sete integrantes do Partido Bolchevique, dos quais quatro eram judeus socialistas-marxistas.
O fato é que o sionismo ganha força, depois do holocausto hitlerista, nos anos 1930/40, em nome da criação do estado judeu, para ser expressão do capital judaico, avalizado pelo imperialismo de Tio Sam, especialmente, depois que os árabes se aliam ao estado soviético bolchevique.
Na base do sionismo, portanto, está o antagonismo capitalismo (Estados Unidos) x comunismo (União Soviética), sendo que os judeus optaram pela aliança com os americanos, enquanto os árabes se aliaram aos soviéticos, evidenciando a marcha da luta ideológica que se desenvolveria ao longo do século 20.
A decisiva opção dos Estados Unidos por Israel, nesse momento de massacre sionista contra palestinos, não foi, ainda, acompanhada pelo apoio decisivo da Rússia pelos árabes, devido, naturalmente, a razões históricas.
Perseguido no Ocidente, pós-feudalismo, os judeus foram para o Oriente, onde ampliaram seu espaço econômico e cultural, depois de voltarem fortes para seu antigo espaço, agregando-se em ambos sua potência financeira.
MULTILATERALISMO X UNILATERALISMO
Vivem, hoje, na Rússia, mais de um milhão de judeus; não é, portanto, uma missão fácil para Putin confrontar Israel, sob risco de rebelião interna, dadas as contradições do processo histórico judaico russo.
O estado judaico, nascido na Palestina ocupada por árabes, em 1948, pós-holocausto, vira, paulatinamente, capital judaico, para cumprir meta dos seus criadores: expansionismo capitalista imperialista judaico colonizador sobre um povo que, nos séculos anteriores, ajudou a proteger os judeus dos seus perseguidores.
O holocausto produz o estado judeu na ocupação da Palestina graças ao capital judeu errante.
A expansão do estado judaico, de Israel, apelando para outro tipo de holocausto, que significa o genocídio imposto por Israel aos palestinos, na Faixa de Gaza, produzirá ou não o estado palestino, no compasso da reação mundial contra o sionismo judaico capitalista expansionista colonizador?
São essas complexidades históricas excitantes que fazem do livro de Breno leitura essencial para compreensão do mundo atual de derrocada do unilateralismo capitalista para dar lugar ao multilateralismo universal, no cenário de conflito à vista entre BRICS x Otan, no século 21.