De Lee Siegel no Estadão – Algumas semanas atrás, eu compreendi como se tornou aberrante a questão da fama na vida americana. Foi quando a filha de Beyoncé Knowles e Jay-Z nasceu no Lenox Hill Hospital em Manhattan. O casal de celebridades pagou US$ 1 milhão para alugar e redecorar toda uma ala da unidade neonatal do hospital. O resultado foi que pais não famosos não puderam ver seus próprios recém-nascidos. Um casal que acabara de ter gêmeos prematuros foi barrado por um segurança contratado para proteger a privacidade do casal de celebridades. Eles notaram um crachá que o segurança estava usando que pretendia explicar sua presença. Ele dizia: “Evento Especial”.
As celebridades agora podem comprar acesso a situações que nem políticos poderosos conseguem. E diferentemente dos políticos, as celebridades raramente são responsabilizadas por seus atos. Como monarcas absolutos, elas podem fazer o que bem desejarem. Uma amiga da elite governante da Colômbia que estava vivendo em Nova York, e foi involuntariamente puxada para a realeza de Hollywood, uma vez me confessou que esta a lembrava de uma coisa que ela não conseguia captar, mas que a deixava incomodada. Em certo momento, ela percebeu o que era. “Eles são uma espécie de junta militar”, ela disse.
É precisamente esse aspecto opressivo de fama e celebridade que criou toda uma indústria de reação. A exaltação e inflação de astros de reality shows é a rebelião do obscuro contra o famoso.
Kim Kardashian, por exemplo, é uma maria-ninguém que não realizou nada na vida, exceto ter aparecido em alguns vídeos eróticos que foram divulgados ao público, o que a levou a processar com sucesso a empresa que os havia divulgado. A ação a deixou rica e ela foi em frente para se tornar famosa simplesmente por ser famosa. Ela agora tem seu próprio reality show em que os espectadores podem vê-la ter um chilique, explodir em lágrimas, cair em pedaços, e assim por diante. Ela assumiu o papel de bode expiatório do obscuro. Ela deve sofrer de fama, ser punida por isso, morrer lentamente diante das câmeras como se estivesse morrendo de fama. Para os sofredores de obscuridade, assisti-la é uma espécie de terapia.
Vai-se a uma festa em Manhattan e as pessoas nos contam suas histórias de fama, da maneira como algumas pessoas nos falarão sobre seus contatos com doença ou morte. Passei a noite com fulano famoso que foi rude comigo de manhã, meu primo quase foi morto pelo carro guiado por beltrano famoso, sicrano famoso me transmitiu herpes em Los Angeles!
Parte da popularidade sensacional do Facebook é que ele é uma espécie de kit faça-você-mesmo-sua-fama. Quantas pessoas conheciam o famoso poeta alemão Rilke no auge da sua fama na Europa do início do século 20? Alguns milhares, talvez. Mas no Facebook, o mais obscuro de nós pode ser “amigo” de dezenas de milhares de estranhos. Talvez ele devesse se chamar Famebook. É o que ele realmente é.
Mesmo a convenção de anonimato online é um novo tipo de fama. Assim como os famosos e poderosos, a pessoa pode falar o que bem quiser com impunidade. Chamem-no de fama sem rosto, ou fama sem nome. Trata-se de uma forma social totalmente nova.
Nem é preciso ser famoso para ser famoso.
Alguns anos atrás, uma revista para a qual eu trabalhava me pediu, no último minuto, para cobrir o leilão dos bens de Marilyn Monroe na Christie’s. Chegando à porta, uma jovem num vestido preto curtinho me disse que eu não poderia entrar. “Jornalistas de todo o mundo vêm tirando suas credenciais há meses”, ela explicou à guisa de satisfação. “Você está muito atrasado. Até pessoas famosas tiveram dificuldade de entrar.”
Até pessoas famosas. Mas elas entraram! Uma ideia me ocorreu.
“Bom”, eu disse, “eu sou famoso.”
Ela olhou para o nome no cartão de visitas comercial que eu lhe havia dado, olhou para mim, e de novo para o cartão.
“Lamento”, ela disse, chateada, como se estivesse me contando alguma notícia horrível. “Nunca ouvi falar de você.”
“Você está cometendo um grave erro”, eu disse. “Eu sou famoso.”
A moça começou a ficar um pouco nervosa.
“Tem certeza de que é famoso?”, perguntou.
“Absolutamente”, eu falei.
“Não sei”, ela disse mordendo o lábio de aflição. “Não sei.”
“Acredite em mim”, disse a ela. “Eu não a enganaria numa coisa dessas.”
Ainda mastigando o lábio, ela olhou em volta nervosamente. Aí seu rosto se iluminou.
“Há quanto tempo é famoso?” ela perguntou.
Eu pensei por um instante. “Cerca de 18 meses”, falei.
Ela soltou um suspiro de alívio. “Não estranha que eu não tenha ouvido falar de você”, disse a moça. “Só faz algumas semanas que estou neste serviço!”
E assim fui admitido no estridente leilão dos bens de Marilyn Monroe – uma espécie de ossário glamouroso -, feliz, ao menos por uma ou duas horas, por ser apenas eu.