Josias de Souza “prevê” que Jair Bolsonaro quer levar Moro para sepultura

Publicado em: 22/12/2019

O colunista da Folha de São Paulo, Josias de Souza, fez uma previsão catastrófica na sua coluna de hoje: disse que Jair Bolsonaro quer levar o ex-juiz Sérgio Moro para sepultura com ele. Leia sua opinião:
O ministro da Justiça Sergio Moro disse incontáveis vezes que não cogita inaugurar uma carreira política. Declarou certa vez que conquistar uma vaga no Supremo Tribunal Federal “seria como ganhar na loteria”. Entretanto, Jair Bolsonaro esboça um inusitado movimento: obstrui os caminhos que poderiam levar Moro à Suprema Corte em 2020 e 2021. E empurra o ex-juiz da Lava Jato na direção das urnas de 2022.
O movimento de Bolsonaro é prematuro e arriscado. O acerto que levou Moro a migrar da 13ª Vara de Curitiba para o Ministério da Justiça incluiu a perspectiva de indicação do ex-juiz da Lava Jato para uma das duas vagas que se abrirão no Supremo. Celso de Mello aposenta-se em 2020.
O acerto que levou Moro a migrar da 13ª Vara de Curitiba para o Ministério da Justiça incluiu a perspectiva de indicação do ex-juiz da Lava Jato para uma das duas vagas que se abrirão no Supremo. Celso de Mello aposenta-se em 2020. Marco Aurélio Mello, em 2021. Neste sábado, porém, Bolsonaro disse que o ministro palaciano da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, é “um bom nome para o STF.”
Antes, o presidente já havia manifestado o desejo de acomodar na Suprema Corte o “terrivelmente evangélico” André Luiz Mendonça, ministro-chefe da Advocacia-Geral da União. Quer dizer: virou fumaça o aceno que Bolsonaro fizera a Moro de premiá-lo na loteria das indicações para o Supremo. Simultaneamente, o presidente começou a dizer em público o que era apenas sussurrado em privado: cogita trocar o general Hamilton Mourão por Sergio Moro como número 2 da chapa reeleitoral.
“Nós somos Zero Um e Zero Dois”, disse Bolsonaro à revista Veja sobre a parceria eleitoral com Moro. “Tem de ver se ele quer. Nunca entrei em detalhes com ele sobre esse assunto, até porque é cedo demais para discutir, causa ciúme. Você daria um sinal de que não está satisfeito com o Mourão, e da minha parte está tudo tranquilo com o Mourão. O Moro não tinha uma vivência política. A cabeça dele enquanto juiz pensava assim: ‘Se eu fosse presidente, faria isso’. Agora ele conhece a realidade. Seria uma chapa imbatível.”
O movimento de Bolsonaro é prematuro porque a sucessão presidencial ainda é um ponto longínquo no calendário. É arriscado porque, além de desmerecer a lealdade do general Hamilton Mourão, libera Sergio Moro para considerar a sério a hipótese de testar o seu prestígio eleitoral não como vice, mas como cabeça de chapa. Alçado pelo Datafolha à condição de ministro mais bem avaliado de toda a Esplanada (53%), Moro pode interrogar os seus botões: por que eu deveria ser vice de um presidente cujo índice de aprovação está na casa dos 30%?.
A conjuntura está impregnada de ironia. O presidente afasta mais enfaticamente Moro do STF, encostando-o na urna, justamente no instante em que o inquérito estrelado pelo Zero Um Flávio Bolsonaro avança mais vigorosamente. Espremido entre as desculpas esfarrapadas do filho e a solidariedade cúmplice do pai, Moro começa a ser visto como um ex-juiz implacável que empresta sua popularidade para ser utilizada por espertos.
Em dezembro de 2018, dias antes de assumir a pasta da Justiça, Moro afirmara o seguinte: “Eu não assumiria um papel de ministro da Justiça com o risco de comprometer a minha biografia, o meu histórico.” O ex-juiz foi ao ponto: “Defendo que, em caso de corrupção, se analisem as provas e se faça um juízo de consistência, porque também existem acusações infundadas, pessoas têm direito de defesa. Mas é possível analisar desde logo a robustez das provas e emitir um juízo de valor. Não é preciso esperar as cortes de Justiça proferirem o julgamento.”
Até aqui, sempre que indagado sobre o drama penal de Flávio Bolsonaro, Moro refugia-se atrás de evasivas: “Não me cabe comentar sobre isso, mas as instituições estão funcionando”, costuma dizer. O agigantamento do caso como que intima o ministro a esboçar alguma reação —nem que seja uma cara de nojo.
Durante todo o primeiro ano de governo, Bolsonaro mostrou ao país que é especialista na realização de uma mágica. Consegue magnificar os problemas. As encrencas entram no Planalto com um determinado tamanho e saem de lá maiores e mais ameaçadoras. Não houve caso de crise que tenha saído menor do que entrou. Privado da loteria do Supremo, Moro pode se sentir tentado a virar um candidato favorito a estragar o projeto reeleitoral de um presidente precário.

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