Criticado ao longo dos últimos meses por demorar a liberar dinheiro para ajudar municípios a lidarem com a pandemia do novo coronavírus, o governo federal retirou R$ 3,9 bilhões do montante já aprovado e que seria repassado a prefeitos.
Esse valor representa 17% dos R$ 23,6 bilhões prometidos até agora pela gestão Jair Bolsonaro (sem partido) para que cidades abram novos leitos hospitalares, comprem remédios e tratem infectados.
O fato foi constatado pela comissão de orçamento do CNS (Conselho Nacional de Saúde) ao analisar o sistema de prestação de contas do Ministério da Saúde.
Segundo as entidades, não houve justificativa para o desaparecimento da verba entre 28 de julho e 4 de agosto. Foi a primeira vez que isso aconteceu desde que o governo começou as liberações em abril.
Na época, R$ 4,2 bilhões haviam sido prometidos. Considerado baixo por prefeitos, o valor acabou turbinado até chegar aos atuais R$ 23,6 bilhões, anunciados no começo de agosto.
Acontece que nem tudo o que é prometido sai dos cofres na mesma velocidade. Até meados de junho, por exemplo, o governo prometia R$ 16,9 bilhões aos prefeitos, mas só havia repassado de fato 34% disso, ou seja, R$ 5,8 bilhões.
Como funcionam os repasses?
Entre a promessa e a liberação do dinheiro há bastante burocracia e muitos termos técnicos. Funciona assim:
Primeiro o governo faz a promessa e a chama de “dotação a empenhar”.
Depois ele precisa garantir o dinheiro prometido com alguma lei que mencione os valores e diga de onde ele sairá. Como a pandemia é emergencial, o governo escolheu usar MPs (Medidas Provisórias), uma regra que entra em vigor na hora que o presidente assina, mas que perde a validade se, em 120 dias, o Congresso não votar a MP, transformando-a em lei.
É a hora de fazer o chamado “empenho”, a primeira etapa do repasse. Nessa fase, o governo publica uma portaria detalhando como serão os gastos do dinheiro mencionado pela medida provisória. O órgão público, então, reserva o dinheiro para efetuar o pagamento planejado.
O próximo passo é o da “liquidação”. É quando o Ministério da Saúde atesta que a documentação necessária para a autorização do repasse, em sequencia ao conjunto de providências adotadas anteriormente, e dê o aval para que desembolso do dinheiro que foi separado na fase anterior.
Chega, enfim, a última fase da chama “execução orçamentária”, que é o pagamento propriamente dito.
Em que fase o governo anulou o repasse?
Os R$ 3,9 bilhões que desapareceram entre 28 de julho e 4 de agosto estavam na fase de empenho (a de número 3), já reservados por meio de MP e discriminado em portaria.
Procurado, o Ministério da Saúde afirmou em nota “que não há corte nas despesas destinadas para enfrentamento da Covid-19”, mas não explicou por que R$ 3,9 bilhões já empenhados sumiram das prestações de contas.
Essa redução foi notada no começo do mês pela Cofin (Comissão de Orçamento e Financiamento), do CNS, que desde abril acompanham semanalmente a execução desse orçamento.
“Detectamos na última semana que, pela primeira vez, houve uma anulação de empenho. Se empenhou é porque já tinha portaria destinando o recurso para algum lugar e, possivelmente alguém perdeu o recurso”, diz o consultor técnico do Cofin, Francisco Funcia.