O presidente Jair Bolsonaro publicou na noite de domingo (16) em seu Facebook que “a maioria das pessoas é imune ao vírus” Sars-CoV-2, que causa a covid-19. Segundo a postagem, a informação faz parte de “um dos melhores estudos sobre o covid-19”.
A mensagem de Bolsonaro rebate a eficiência do isolamento social: “A política de ‘fechar tudo’ teria sido baseada em ciência falha, e as consequências danosas à sociedade serão sentidas por décadas”. Ainda incentiva a ler o “estudo de Karl Friston”, um neurocientista britânico.
O UOL ouviu a microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, e o epidemiologista Fábio Mesquita, ex-diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, e ambos afirmam que não existe imunidade à covid-19 para a maioria das pessoas. Se já houvéssemos atingido esse patamar, a pandemia não atingiria todo o planeta, com crescentes números de casos e mortes.
“A pessoa só pode ser considerada imune quando está vacinada ou quando já teve a doença e seu sistema imunológico produziu uma resposta protetora”, afirma Natália. “Não chegamos e só chegaremos a esse momento de imunidade com uma vacina. Só assim vai chegar próximo ao normal de antes”, concorda Mesquita.
Falso: Friston não é o autor do estudo
O estudo citado na reportagem compartilhada por Bolsonaro tem 20 autores, mas Friston não é um deles. O cientista apenas mencionou o trabalho, publicado pela revista americana Cell, em uma entrevista ao jornal inglês The Guardian, na qual ele analisa por que a resposta alemã à covid-19 foi melhor do que a britânica.
Ao fazer a comparação entre os dois países, Friston explora o conceito de “imunidade cruzada”, que aponta que entre 40% e 60% da população poderia não contrair covid-19, mesmo tendo sido exposta a ela, graças à presença de linfócitos T ativados por outros coronavírus que causaram resfriados na pessoa no passado.
“Os estudos citados são ainda hipóteses de por que algumas pessoas desenvolvem a covid-19, e outras não. O artigo ainda garante que deixar as pessoas se contaminarem sem se proteger de alguma forma não é a solução. A única coisa que dá resultado é o isolamento social. Não é hipótese, não é modelo. É o que já deu certo”, diz Mesquita.
“Nunca uma população será 100% suscetível, pois nem todo mundo se expõe da mesma maneira”, explica Natália. “O estudo mencionado por Friston na entrevista, contudo, fala de imunidade cruzada, mas ninguém sabe se a proteção será total nesses casos”, afirma a especialista.