Brasil importa violência dos Estados Unidos

Publicado em: 10/04/2023

Ana Alakija
Ana Alakija

From Boston – A semana que passou foi marcada pelo debate na sociedade e na mídia sobre violência. Aqui, nos Estados Unidos e aí, no Brasil. A violência bateu forte na porta da classe média,  aterrorizou cidadãos comuns, focando especialmente em massacre visando crianças indefesas, jovens e professores  em escolas, mas também médicos e enfermeiros em hospitais.

 

Nos Estados Unidos,  enquanto os estadunidenses reverenciaram a memória do pacifista e líder da luta pelos direitos civis Martin Luther King Jr ( King foi assassinado  em 4 de abril de 1968), a repercusão do tiroteio em massa que ceifou seis vidas (três crianças)  preciosas numa escola da comunidade em Nashville, em Tenessee, gerou protestos  e reascendeu a discussão  sobre a reforma de uso de armas de fogo no estado. Tenesse coleciona incidentes de violência armada.

 

Reações insanas e de supremacia branca ocorreram na  Câmara de Deputados do estado de  Tennessee, liderada pelos republicanos. A Câmara votou por cassar dois membros negros dos três legisladores democratas que lideraram, com um megafone, um recente protesto pacífico na Câmara em que se juntaram milhares de manifestantes  pedindo por medidas de segurança e revisão da legislação sobre uso de armas de fogo no estado. Ou seja: As desigualdades que Mr. King lutava contra ainda pautam a divisão do mundo.

 

O presidente da República Joe Biden se manifestou via Twitter qualificando a expulsão dos dois parlamentares negros como “chocante, antidemocrática e sem precedentes”. Contraditoriamente, o fato foi considerado uma ‘distração’ para o problema da violência que requer  discussão e enfrentamento com medidas de segurança em armas a nível federal e local. Para discutir proposta nesse sentido, a vice-presidente Kamala Harris viajou para Nashville onde encontrou com legisladores democratas, incluindo os que foram expulsos.

 

Recentemente , o presidente Joe Biden assinou uma ordem executiva com o objetivo de aumentar as verificações de antecedentes para compra de armas de fogo no estado da Califórnia. A medida incluiu  aumento de segurança de armazenamento  de armas para garantir que as agências policiais dos EUA aproveitem melhor uma lei bipartidária de controle de armas que já tinha sido promulgada no verão passado.

 

No Brasil, ainda no clima de luto pela violência ocorrida numa  creche privada de Blumenau, onde quatro crianças foram mortas a machadadas e outras cinco foram feridas, a classe média, de maioria branca, também não foi poupada durante o feriadão da Semana Santa. Mensagens nocivas, videos e comentários espalhando o terror circularam em vários sites e plataformas. O youtuber Thiago dos Reis detectou mensagens de ameaças de morte ao ministro do STF Luís Roberto Barroso, ao influencer Felipe Neto, e até ao próprio Presidente da República  Luís Inácio Lula da Silva.

 

Por determinação do próprio presidente Lula. um grupo de trabalho interministerial foi criado para debater a violência nas escolas. Oito ministérios estarão envolvidos em discussões de  ações de enfrentamento à violência  nas unidades de ensino, coordenado pelo Ministério da Educação.

O projeto prevê  apoio psicológico às crianças e adolescentes nas escolas e será uma das pautas prioritárias nas ações desenvolvidas pelo Departamento de Saúde Mental, que foi criado nesta gestão do Ministério da Saúde, conforme informou a ministra da Saúde, Nísia Trindade.

 

A  raiz do problema, sem pestanejar, está no clima de terror que agentes da extrema-direita nos dois países vem escalando. Esses agentes tem face, cor da pele, nome e endereço. O ex-presdente Donald Trump, indiciado em Nova York na semana passada por várias acusações criminais, propagou através de suas redes, que a América viveria tempos de  “morte e destruição”   “prevendo” reação da sociedade se ele vier a ser preso  por conta de seus supostos crimes.

 

Sem a estrutura governamental de antes, o ex-presidente  Jair Bolsonaro, de volta ao Brasil há mais de uma semana para, como Trump, responder aos seus imputados crimes,  tem se reservado a apreciar de camarote o que ele plantou durante o seu governo.  As células neonazi-fascistas se reproduzem atualmente sem necessariamente precisar do seu comando (calcula-se a existência de mais de 250 células). Mas com todas as letras maiúsculas elas carregam suas digitais.

 

Baseado em evidências da ligação do episódio de Blumenau com a violência organizada a nível de atuação interestadual, envolvendo incitação através das mídias sociais,  o ministro da Justiça, Flávio Dino, semana passada, determinou à Polícia Federal abertura de investigações sobre “organismos nazistas e/ou neonazistas” no Brasil.

Além da intensificacão de patrulhamento militar nas escolas, para a qual foi destinado o valor de R$ 150 milhões iniciais para o projeto, o ministro está designando 50 policiais para fazer o monitoramento de ameaças na internet. O ministro acredita que os esforços para combater a violência nas escolas devem envolver toda a sociedade, incluindo as escolas privadas.

 

Nos Estados Unidos, de acordo com os dados oficiais do  pelo Post Data One , houve mais tiroteios em escolas  norte-americanas em 2022 – 46 casos – do que em qualquer ano, desde pelo menos em 1999, ano que caracterizou o início de episódios de tiros em escolas no país. Mais de 348.000 alunos sofreram violência armada na escola desde então e 376 tiroteios ocorreram  em escolas, representando aproximadamente 20 crianças como vítimas de tiro por ano.

 

No país brasileiro, as estatísticas de violência nas escolas são apresentadas de forma difusas.  Números giram em torno de 39% de estudantes que relatam terem sido vítimas de agressão. Esses números compreendem bullying (22%), agressão verbal (17%), agressão física (7%), discriminação (6%), furto/roubo (4%), assédio moral (4%), e roubo ou assalto à mão armada (2%).

 

De acordo com um levantamento global da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil é o país entre os de índices mais altos do mundo no ranking das agressões contra professores (em torno de 54%)  e  em torno de 28% deles testemunharam violência contra estudantes.

 

Quanto à conexão de tiroteio nas escolas e o discurso de ódio na Internet, há uma generalização nos recursos disponíveis. O discurso de ódio pregado pelos líderes de extrema direita Donaldo Trump, nos Estados Unidos e Jair Bolsonaro no Brasil, é um desafio novo para essa área.

O FBI quer saber que motivação um estudante teria em trazer uma arma de fogo para a escola, considerando que um grande numero de casos de tiros nas escolas envove os proprios estudantes.  O FBI também investiga o discurso virtual.

 

Na estatística geral da violência por tiro,  em média, 321 pessoas são baleadas nos Estados Unidos a cada dia, de acordo com a Brady Campaign to Prevent Gun Violence ( enquanto eu escrevia esse comentário recebi uma informaçao de
tiroteio como mortes em Louisville (Kentucky).

Tradicionalmente levantada pela população negra como vítima, a bandeira vermelha está içada também pela classe média branca em estados como Califórnia, Tenessee e Flórida. Já existe uma preocupação em discutir a conexão entre esse tipo de violência e o discurso de ódio e preconceito que circula na Internet.

 

A Lei de Telecomunicações de 1996  proíbe o uso de um serviço de computador interativo para transmitir, enviar ou exibir intencionalmente qualquer conteúdo violento, material indecente ou obsceno para menores. Esta lei foi uma tentativa de regular a publicação ou exibição de conteúdo violento na internet nos Estados Unidos.

 

A lei também tomou medidas para criar um sistema de classificação de programação de vídeo para conteúdo violento, sexual ou indecente. No entanto, o Computer Decency Act de 1996 não obteve apoio do Congresso para regulamentar a censura do ciberespaço. A Suprema Corte dos Estados Unidos considerou a lei inconstitucional.

 

O Brasil praticamente engatinha em legislação sobre veiculação de conteúdos agressivos na internet. O artigo 159 do Código Civil Brasileiro prevê reparação de danos morais ou materiais proporcionados pelos autores de ofensas, especifcadas como calúnia,  difamação,  injúria,  ameaça, constrangimento ilegal,  falsa identidade e perturbação da tranquilidade. Profissionais de saúde vem discutindo o cyberbulling e tentando qualificar os tipos de agressão ou situações que a vítima pode passar: discursos de ódio, de apelação ao sexo, nudez e conteúdo pornô.

 

A tentativa de legislar mais recente sobre violência nas escolas, por exemplo,  partiu da deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP) que propôs um projeto de lei para tornar obrigatório a instalação de detectores de metais em escolas públicas e privadas durante o horário de aula em todo o país, raio-X, portas giratórias e outras aberrações como essas.

 

O deputado federal André Janones (Avante-MG) resolveu trabalhar num projeto de lei  amplo  que visa  “criminalizar o bolsonarismo no Brasil”. Isto porque ele tem consciência de que a ideologia bolsonarista, que surgiu do estilo de governar do ex-presidente Jair Bolsonaro,  estimula o ódio, o preconceito e idolatra torturadores.

 

Enquanto isso, grande parte da classe média brasileira (repito, a maioria branca) vem começando  a compreender   de uma forma muito dura que fake news mata. Exemplos não faltam e a violência nas escolas é “apenas” uma face relacionada com as deep. E que não existe lutar por lado vitorioso ou perdedor nessa estória. Ou você é contra ou você é parte dela.

 

Ana Alakija é jornalista com Mestrado em História pela Salem State University, Massachusetts

 

Artigos relacionados