CÉSAR FONSECA – A Argentina, com as massas nas ruas, mobilizadas pela CGT peronista, está ditando a lição essencial de combate ao neoliberalismo que o presidente Javier Milei, na base da força, tenta impor aos argentinos em forma de inflação galopante.
A massa de trabalhadores, mobilizados, nesta histórica quarta feira, dando resposta contundente, mostra que a luta política contra o fascismo ultra neoliberal tem de ser a mobilização democrática.
O Congresso, que recebeu da Casa Rosada, pacotaço de medidas econômicas de arrocho fiscal e monetário e de destruição de direitos sociais, não teve alternativa senão adiar, para semana que vem, discussão e votação das medidas que estavam previstas para serem votadas amanhã, quinta.
O racha geral nos partidos, que, por sua vez, também, divide, irremediavelmente, o governo, antecipa derrota política extraordinária.
A revolta popular, que se aproxima de insurreição, nas ruas de Buenos Aires, com as lideranças sindicais perfeitamente sintonizadas com as demandas dos trabalhadores, sinaliza novo momento político em processo de radicalização.
O efeito argentino pode ou não se espalhar pela América Latina?
Inicialmente, de forma arrogante, o novo governo, que teve vitória expressiva nas urnas, julgou que podia tudo, avalizado que estava pela vitória eleitoral.
Negou a convocar previamente líderes políticos e lideranças sindicais, para apresentar sua proposta.
Tentou enfiar goela abaixo mais de 600 medidas que alteram profundamente a Constituição, especialmente, na destruição de conquistas sociais.
A convocação, pela maior central sindical do país, a CGT, mais poderosa da América Latina, de uma paralisação 45 depois da posse do novo governo, representa a acachapante vitória política dos trabalhadores liderados pelo peronismo contra o fascismo incorporado em Javier Milei.
UNIÃO NACIONAL
Peron volta a ser fator de união nacional na Argentina.
Dia histórico na Argentina que vai obrigar o governo a rever suas posições, se não quiser ter seu mandato reduzido.
Há uma semana, que antecedeu a paralisação, os movimentos de recuo de Milei começaram a ser percebidos, com redução do tom arrogante emitido pela Casa Rosada.
Ao mesmo tempo, no Congresso, onde o presidente é minoria legislativa, as forças conservadoras tentaram em vão reagir, para evitar supremacia do peronismo.
Logo verificou-se a impossibilidade de aprovação de medidas que destroem poder de compra da população, enquanto a inflação aponta para recordes históricos, empobrecendo-a, velozmente.
Milei, diante desse caos econômico irreversível, jogou gasolina na fogueira: insiste em cortes de gastos públicos, para enxugar a demanda interna em nome do combate à elevação dos preços.
Receita desastrosa imposta pelo FMI para se alcançar o impossível: déficit zero nas contas públicas, ao lado de reajustes brutais de preços nos setores chaves da economia, como transportes coletivos, saúde e tarifas públicas.
Buenos Aires, em menos de um mês de novo governo, passou a assistir pobres revirando latas de lixo, para encontrar o que comer.
Milei, com o seu pacotaço neoliberal, apenas, criou as condições para a paralisação gigantesca, que, agora, o ameaça.
PODER ESTÁ NA RUA
O poder, na Argentina, a partir de hoje, está em la cale, como estão dizendo os líderes sindicalistas da CGT, ao alertar o ministro da Fazenda que poderá não mais sair de casa, se insistir na ameaça de cortar verbas das províncias governadas pelos peronistas, contrários à política econômica governamental.
Os representantes do povo no Legislativo já fazem seu cálculo político-eleitoral: se atender a demanda de Milei, que é render-se ao rentismo neoliberal, à custa das restrições de gastos públicos, que comprometem o desenvolvimento nacional e aumentam a pobreza e a exclusão social, certamente, perderão seus mandatos na próxima eleição.
Por que correr o risco?
O presidente consolidou sua desgraça política no último discurso que fez em Davos, quando hipotecou todas as suas fichas no neoliberalismo radical, irracional, que acabou virando motivo de chacota nacional e internacional.
Abraçou o urso: pregou conceitos econômicos vigentes no século 19, para construir uma falsa realidade descolada do interesse social.
Optou em atender, apenas, os especuladores da dívida pública nacional, favorecidos pelo jurismo radical imposto pelo mercado financeiro, e está, por isso, se queimando na fogueira da inflação galopante.